Em meio a uma rotina corrida, com famílias cada vez menores, com pais batalhando para assegurar um padrão de vida, para manter-se atualizados e valorizados no mercado de trabalho, os filhos acabam automaticamente sendo arremessados para o universo virtual, onde encontram conteúdos atraentes, interlocutores de seu universo de interesses, distração para compensar a solidão e o ócio; ou seja, sentem-se PERTENCENTES A UM UNIVERSO, e o que o ser humano mais busca hoje é sentir-se aceito, pertencer a um grupo, a uma sociedade. Sem essa resposta, nada faz sentido.

E antes que me questionem por que estou colocando crianças e adolescentes no mesmo “patamar”, apesar das diversas diferenças entre as fases, explico: porque estou considerando denominadores comuns aos dois: a rotina cotidiana e a pressão para serem autônomos, responsáveis, bem resolvidos e O MAIS DIFÍCIL, capazes de compreender os problemas e dificuldades dos pais. Desse modo, cada vez mais cedo vemos crianças buscando adequar sua construção de identidade ao padrão valorizado pelos pais, para assegurar o amor dos mesmos. Caminho perigoso esse….pois tudo que sufocamos dentro de nós, tentando guardar em caixas em um “depósito psíquico” que procuramos esquecer; em algum momento ressurge e, pior, com muito mais força!

E agora sim, quero discutir a repercussão de 2 eventos envolvendo crianças e adolescentes, que explodiram nas mídias nos últimos dias: O game “Baleia Azul” e a série da Netflix “13 Reasons Why”. Não vou cair na mesmice de tantos textos e vídeos postados a respeito, alardeando a gravidade (do game) e o “perigo” das consequências do envolvimento com a série.

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Concordo que são sérios e muito graves. Mas o que realmente me preocupa nos discursos adotados, são as posturas nada empáticas dos interlocutores (blogueiros, youtubers, jornalistas de grandes mídias) para com o principal telespectador e usuário do desafio: as crianças e adolescentes.

Em um movimento contrário ao que as crianças e adolescentes são pressionados e se esforçam tanto para tentarem ser (bons filhos, compreensivos, obedientes, seguros, responsáveis etc), os discursos adotados nas análises e críticas ao game e à série, os consideram retardados, babacas, idiotas! Meu ponto é: em vez de criticar o game e apavorar os pais, que provavelmente vão adotar posturas extremas (tirar o celular, apagar perfil de Facebook, tentar desconectar o filho do universo virtual). Por que não “despir-se” da autoridade e “sensatez” adulta, para entender o real universo destas crianças e adolescentes?

No consultório esta semana, os pacientes adolescentes trouxeram espontaneamente os dois temas e a melhor definição que ouvi, de um adolescente de 13 anos, foi a de que, enquanto a serie “13 Reasons Why” provoca perguntas; o desafio “Baleia Azul” fornece respostas. Quer saber? Achei perfeita a reflexão!

Enquanto “13 Reasons Why”, que dialoga mais com a faixa dos 13 aos 16 anos, invade a psique deles, causando um turbilhão de sensações (e aqui, de novo, não vou entrar no mérito de percentuais estatísticos correlacionando índices de suicídio e conteúdos de mídias), eles se permitem fazer perguntas a si mesmos sobre suas vidas, seus relacionamentos com os pais, amigos, escola, desejos, medos. E este movimento é muito positivo! Pois vão buscar coerência, sentido para sua existência e para a historia que querem construir ao longo da vida!

O game “Baleia Azul”, por sua vez, encontrou aderência por fornecer uma resposta às duas perguntas-chave da humanidade: “de onde vim?” e “Para onde vamos?”. Manipula a criança e adolescente de forma aterrorizantemente envolvente: confere uma identidade de herói e mostra que terá uma longa jornada pela frente.

O “perigo” maior não está em tratar da temática do suicídio, e sim permitir ao adolescente olhar para sua realidade e, principalmente para os pais e a sociedade, e talvez não encontrar o real sentido de sua historia. E ao conseguirem mostrar que não são quem os pais precisam que eles sejam, fica a pergunta: os pais e sociedade vão encarar? Possuem estrutura para acolher e lidar com a ferida narcísica de não ter o filho como extensão de seus desejos e expectativas?

Diante dessa força, é momento da sociedade e dos pais desligarem seus celulares em casa; desligarem do automático “Vai estudar, vai estudar!” e repensarem sobre as punições aplicadas, buscando maior coerência entre o ato e a consequência (e não apenas “tirei o celular”) e, principalmente, abrirem um canal de afeto e se permitirem mostrar-se por inteiro e enxergarem seus filhos por inteiro, aceitando e acolhendo suas fragilidades e medos.

Outra forma de intervir positivamente é ajudar a criança / adolescente a sentir que aquilo que ela produz pode ter um efeito positivo nas diversas esferas de sua vida (família, amigos, escola, sociedade). Desde envolver-se em uma causa social (que pode ir desde separar brinquedos para crianças carentes; ajudar a juntar dinheiro para consertar algo na escola / no bairro); descobrir novas habilidades (tocar instrumento, cantar, dançar, construir algo, escrever); até ser valorizado pelas iniciativas de contribuições para a rotina familiar.